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terça-feira, 3 de julho de 2012

Sozinha na noite





Coloquei o casaco roxo, liguei a playlist do celular, encarei a noite moderadamente fria e sai sem destino. Uma das raras vezes na vida que decidi não estar no controle. Nada programado. Andei pelas ruas da cidade - já que uma leve neurose não me permite dirigir tranquilamente -. Deixei as músicas tocarem de maneira aleatória, sem aquele desejo compulsivo de selecionar as favoritas, ou ativar o replay. Lancei-me a sorte, ao destino, ao acaso. O que procurava? Me encontrar, me curtir, me surpreender.

A frenética corrida contra o tempo, as inúmeras atribuições diárias e a pressa contemporânea subtraem-nos momentos preciosos na nossa própria companhia.  Programamos a vida numa agenda, seguimos um roteiro, obedecemos a regras que outros impuseram como verdade e nos tornamos reféns do relógio, de estereótipos , de todos os  preconceitos, inclusive  aquele que acende na nossa mente a plaquinha com o rótulo “solitário” ao vemos alguém sozinho tomando um chope, por exemplo. 

Vira-se a ampulheta e começa tudo de novo.  Os detalhes, as minúcias e os intervalos passando despercebidos junto com os milésimos de segundos. Quanta coisa deixou de ser vista, sentida, registrada, vivida, principalmente quando se está na companhia de outra pessoa.  Não quero aqui fazer apologia a solidão, mas desmitificar a ideia de que é impossível se divertir e se distrair sem estar necessariamente cercado de gente.  

Tem coisas que só você sozinho poderá perceber e sentir. Na minha aventura, não tão épica a ponto de fazer inveja a Camões, descobri tanta coisa: o quão gostoso é sentir o vento assanhar o cabelo sem ninguém ao lado para me dizer que estou parecendo a bruxa Keka ,  descobri uma música linda no celular que até então não  tinha escutado, percebi mais detalhadamente que em menos de dez minutos a barca te leva não apenas para a outra margem do São Francisco, mas para uma esfera cultural totalmente oposta,  vi pessoas que sobrevivem da noite,  degustei um autêntico acarajé baiano enquanto recebia olhares, conclui que  com um hippie você tem  grande chance de ter um papo muito mais cabeça do que com certos acadêmicos, rompi com preconceitos,  sorri e sim, me diverti á beça. 

Você pode dizer: “grande coisa’’. E eu responderei: experimente! Na companhia de outras pessoas estamos distraídos demais para captar o contorno dos eventos que nos rodeiam. Andar sozinha tem suas vantagens e nem sempre é sinônimo de solidão. Opte por ser seu parceiro de aventuras de vez em quando. Muitos devem ter achado que eu era mais uma sem amigos, sem amor,  ao me ver sentada na orla  de Juazeiro ,saboreando meu espetinho -  eu comi muito - e comprando mais um brinco artesanal, quando na verdade estava nesse exato momento contrariando esse preconceito, me mimando e cruzando minha vida com a de outras pessoas. 
Voltei pra casa pensando nas contradições da nossa sociedade. Em um mundo em que todos estão conectados, quase sempre estamos off  para nós mesmos. 





   Andréia Luciana ( Poetisa Insana )

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